terça-feira, 8 de junho de 2010

A espera de um milagre

Ela continuava sentada no quintal com os braços envoltos aos joelhos, a cabeça abaixada como quem enxergasse alguma coisa no chão, ao invés de enxergar, os olhos buscavam por respostas, respostas que ela teimava em encontrar ali mesmo sabendo que não as encontraria.
"Entra menina, vem almoçar!" A mãe a chamou, mas ela continuava ali imóvel, depois de um tempo, a mãe tornou a berrar.
"A comida está na panela, vou sair, preciso entregar as roupas para o Seu Tomás, cuide do seu irmão!"
A mãe lavava e passava roupa para fora, era o sustento da família desde que o pai os abandonara, moravam os três naquele quarto e cozinha apertado, o que salvara era o quintal, enorme, com o tanque da mãe no fundo, uma mangueira, e uma hortinha que mais parecia um monte de mato junto.
A menina beirava seus quinze anos, e ultimamente tinha pensado muito em uma única coisa, a tão sonhada festa, aquelas com baile de debutantes, vestido, príncipe e tudo o que se tem direito quando se faz quinze anos, mas para ela, tudo não passara de um sonho bem distante.
Eram muito pobres, a mãe ganhava uma miséria, às vezes mal tinham o que comer, as roupas que ela usava eram doações das filhas das patroas da mãe, não se lembrava se um dia tivera algo novo, quando criança, cansou de deixar os sapatinhos na janela esperando que o Papai Noel pudesse surgir e deixar uma boneca ou um vestido.
Agora já era "grande", quando tomava banho olhava as transformações do corpo no pedaço de espelho grudado na parede, o seio crescendo, a cintura afinurando, sim estava se tornando uma mulher.
Na escola não falava com ninguém, havia apenas uma menina em condições semelhantes as dela, era melhor não ajuntar a pobreza, as outras meninas não eram ricas, mas tinham pai e mãe que trabalhavam, andavam bonitas, bem vestidas contavam vantagens.
Uma vez ouviu uma garota da sala dizer que daria uma festa para comemorar seus quinze anos, chamou as amigas para ser debutantes, e ela ali escutando tudo, morrendo de vontade, esperando o seu convite, mas logo voltou à realidade, não poderia ser convidada, não falava com a aniversariante, não tinha roupa para ir, e na escola não se falava em outro assunto a não ser a festa da tal garota.
No dia seguinte, mais comentários, todos a parabenizavam pela festa maravilhosa, inclusive alguns professores que ela fez questão de convidar.
A menina ficou ali, sentada no canto da sala, com aquela pontinha de inveja, desejando ser a "colega" de classe, desejando não ser tão pobre, desejando ter amigos, por um momento sentiu ódio de si mesma, por sonhar com o que nunca poderia ter.
E agora ali no quintal sentada, perto de completar quinze anos, relembrava tudo, sentiu ódio do pai por os ter abandonado, ódio da mãe por não ter ido atrás dele e permitir que vivessem em extrema pobreza, ódio do irmãozinho por viver feliz, não enxergar as coisas da mesma forma que ela.
Uma lágrima caiu no chão barrento, a cabeça continuava abaixada, os pensamentos eram os mesmos, mudar, mudar, mudar, esperava por um milagre, sonhava que o pai voltasse e dissesse que as coisas iriam melhorar que ela nunca mais usaria roupas usadas e teria a sua tão sonhada festa de quinze anos.
A noite chegou sem que ela percebesse, continuava ali no quintal esperando o milagre, o irmãozinho brincava com um caminhãozinho na soleira da porta, a mãe chegou e percebeu que tudo se encontrara da mesma forma que deixou antes de sair, cansada foi até o quintal encontrou a filha na mesma posição, beijou a menina e disse "Entra, já é tarde, vá tomar banho que amanhã tem aula!"
A menina obedeceu, a mãe esquentou a sobra do almoço para o pequeno, ele comeu e dormiu, a menina não quis comer, saiu do banho e deitou-se, a mãe deitou-se logo em seguida, e como de costume chorou baixinho até pegar no sono, assim como a filha ela também esperava por um milagre, esperava pelo dia em que pudesse dar uma vida melhor aos seus filhos.
Ahhhh, se a menina soubesse...

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