Ela continuava sentada no quintal com os braços envoltos aos joelhos, a cabeça abaixada como quem enxergasse alguma coisa no chão, ao invés de enxergar, os olhos buscavam por respostas, respostas que ela teimava em encontrar ali mesmo sabendo que não as encontraria.
"Entra menina, vem almoçar!" A mãe a chamou, mas ela continuava ali imóvel, depois de um tempo, a mãe tornou a berrar.
"A comida está na panela, vou sair, preciso entregar as roupas para o Seu Tomás, cuide do seu irmão!"
A mãe lavava e passava roupa para fora, era o sustento da família desde que o pai os abandonara, moravam os três naquele quarto e cozinha apertado, o que salvara era o quintal, enorme, com o tanque da mãe no fundo, uma mangueira, e uma hortinha que mais parecia um monte de mato junto.
A menina beirava seus quinze anos, e ultimamente tinha pensado muito em uma única coisa, a tão sonhada festa, aquelas com baile de debutantes, vestido, príncipe e tudo o que se tem direito quando se faz quinze anos, mas para ela, tudo não passara de um sonho bem distante.
Eram muito pobres, a mãe ganhava uma miséria, às vezes mal tinham o que comer, as roupas que ela usava eram doações das filhas das patroas da mãe, não se lembrava se um dia tivera algo novo, quando criança, cansou de deixar os sapatinhos na janela esperando que o Papai Noel pudesse surgir e deixar uma boneca ou um vestido.
Agora já era "grande", quando tomava banho olhava as transformações do corpo no pedaço de espelho grudado na parede, o seio crescendo, a cintura afinurando, sim estava se tornando uma mulher.
Na escola não falava com ninguém, havia apenas uma menina em condições semelhantes as dela, era melhor não ajuntar a pobreza, as outras meninas não eram ricas, mas tinham pai e mãe que trabalhavam, andavam bonitas, bem vestidas contavam vantagens.
Uma vez ouviu uma garota da sala dizer que daria uma festa para comemorar seus quinze anos, chamou as amigas para ser debutantes, e ela ali escutando tudo, morrendo de vontade, esperando o seu convite, mas logo voltou à realidade, não poderia ser convidada, não falava com a aniversariante, não tinha roupa para ir, e na escola não se falava em outro assunto a não ser a festa da tal garota.
No dia seguinte, mais comentários, todos a parabenizavam pela festa maravilhosa, inclusive alguns professores que ela fez questão de convidar.
A menina ficou ali, sentada no canto da sala, com aquela pontinha de inveja, desejando ser a "colega" de classe, desejando não ser tão pobre, desejando ter amigos, por um momento sentiu ódio de si mesma, por sonhar com o que nunca poderia ter.
E agora ali no quintal sentada, perto de completar quinze anos, relembrava tudo, sentiu ódio do pai por os ter abandonado, ódio da mãe por não ter ido atrás dele e permitir que vivessem em extrema pobreza, ódio do irmãozinho por viver feliz, não enxergar as coisas da mesma forma que ela.
Uma lágrima caiu no chão barrento, a cabeça continuava abaixada, os pensamentos eram os mesmos, mudar, mudar, mudar, esperava por um milagre, sonhava que o pai voltasse e dissesse que as coisas iriam melhorar que ela nunca mais usaria roupas usadas e teria a sua tão sonhada festa de quinze anos.
A noite chegou sem que ela percebesse, continuava ali no quintal esperando o milagre, o irmãozinho brincava com um caminhãozinho na soleira da porta, a mãe chegou e percebeu que tudo se encontrara da mesma forma que deixou antes de sair, cansada foi até o quintal encontrou a filha na mesma posição, beijou a menina e disse "Entra, já é tarde, vá tomar banho que amanhã tem aula!"
A menina obedeceu, a mãe esquentou a sobra do almoço para o pequeno, ele comeu e dormiu, a menina não quis comer, saiu do banho e deitou-se, a mãe deitou-se logo em seguida, e como de costume chorou baixinho até pegar no sono, assim como a filha ela também esperava por um milagre, esperava pelo dia em que pudesse dar uma vida melhor aos seus filhos.
Ahhhh, se a menina soubesse...
"Palavras foram feitas pra serem ditas e não para enfeitarem como um colar de ouro falso." Antônio Carlos Viana
terça-feira, 8 de junho de 2010
domingo, 14 de fevereiro de 2010
Cotidiano
Fazia tempo que ele não se sentia assim, fazia tempo que não se deparava com a tristeza, talvez estivesse sobrecarregado demais, o trabalho, a família, os estudos, talvez tivessem lhe roubado a tristeza.
Ele estava bem, mergulhado numa correria desgastante não tinha tempo para lembrar que era triste.
Sentado no ônibus voltando pra casa, preso no trânsito de São Paulo, lembrou de si, lembrou que fazia tempos que não parava pra refletir, era como se tivessem escondido todas as coisas ruins que havia em seu peito, mas naquele momento estavam devolvendo, e ele foi lembrando de tudo.
O vazio foi tomando conta e apertando o peito, desatou a gravata e abriu dois botões da camisa talvez conseguisse respirar melhor, não conseguiu, o ônibus não andava, observou as pessoas ao seu redor, uma mocinha lia, um rapaz falava ao celular com a namorada, um jovem ouvia música e assim sucessivamente, e ele ali, preso, com medo de relembrar sua vida triste, pediu licença e desceu do ônibus.
Estava chovendo, talvez a água da chuva limpasse sua alma triste, foi andando, não tinha pressa, respirava melhor, mas o peito ainda doia, não entendia o motivo daquela dor, estaria enfartando?!
Não, estava bem, só que a dor o incomodava, caminhou, lembrou da mulher e do filho em casa, não sabia porque tinha casado, não sabia porque tinha constituído família, de uns tempos pra cá, tudo tinha perdido o sentido, ele não achava graça, não tinha prazer, fazia tudo por fazer ou se o leitor preferir para manter o social.
Mesmo não desejando, sabia que precisava manter sua rotina, mas era horrível fazer tudo sem vontade, levantar cedo todos os dias olhar para cara do chefe insuportável, depois vinham os estudos estava totalmente sem cabeça para trabalhar em tal projeto, mas se esforçava sabia quais eram suas obrigações e precisava cumprí-las o pior era voltar pra casa, encontrar a mulher lá toda carinhosa e o filho que insistia em pedir pra jogar futebol, mas ele não aguentava, não tinha ânimo, as vezes lhe faltava vontade de comer, simplesmente chegava em casa tomava um banho e caia na cama, afinal era preciso descansar, no dia seguinte tudo se repetiria e ele precisava se preparar.
A mulher achara que o problema fosse ela, comprou camisola nova, pediu conselho para as amigas chegou mesmo até recorrer as forças ocultas do candomblé, mas tentativas inúteis, ele continuava do mesmo jeito, sem ânimo, sem vida, não aguentando mais tamanho descaso, resolveu se separar, ele nem sentiu muito, ela ficou no apartamento, ele depositava todo o mês uma quantia simbólica, mas não fazia questão de ver o filho.
Depois de um certo tempo, pediu demissão, todo o dinheiro que recebeu, depositou na conta da mulher, se fechou no apartamento e ficou ali sozinho, não atendia o telefone, não abria a janela, não saia para nada.
A barba foi crescendo, a comida acabara, precisa sair, mas não tinha ânimo, não tinha fome, deitou na cama e dormiu o sono eterno.
Ele estava bem, mergulhado numa correria desgastante não tinha tempo para lembrar que era triste.
Sentado no ônibus voltando pra casa, preso no trânsito de São Paulo, lembrou de si, lembrou que fazia tempos que não parava pra refletir, era como se tivessem escondido todas as coisas ruins que havia em seu peito, mas naquele momento estavam devolvendo, e ele foi lembrando de tudo.
O vazio foi tomando conta e apertando o peito, desatou a gravata e abriu dois botões da camisa talvez conseguisse respirar melhor, não conseguiu, o ônibus não andava, observou as pessoas ao seu redor, uma mocinha lia, um rapaz falava ao celular com a namorada, um jovem ouvia música e assim sucessivamente, e ele ali, preso, com medo de relembrar sua vida triste, pediu licença e desceu do ônibus.
Estava chovendo, talvez a água da chuva limpasse sua alma triste, foi andando, não tinha pressa, respirava melhor, mas o peito ainda doia, não entendia o motivo daquela dor, estaria enfartando?!
Não, estava bem, só que a dor o incomodava, caminhou, lembrou da mulher e do filho em casa, não sabia porque tinha casado, não sabia porque tinha constituído família, de uns tempos pra cá, tudo tinha perdido o sentido, ele não achava graça, não tinha prazer, fazia tudo por fazer ou se o leitor preferir para manter o social.
Mesmo não desejando, sabia que precisava manter sua rotina, mas era horrível fazer tudo sem vontade, levantar cedo todos os dias olhar para cara do chefe insuportável, depois vinham os estudos estava totalmente sem cabeça para trabalhar em tal projeto, mas se esforçava sabia quais eram suas obrigações e precisava cumprí-las o pior era voltar pra casa, encontrar a mulher lá toda carinhosa e o filho que insistia em pedir pra jogar futebol, mas ele não aguentava, não tinha ânimo, as vezes lhe faltava vontade de comer, simplesmente chegava em casa tomava um banho e caia na cama, afinal era preciso descansar, no dia seguinte tudo se repetiria e ele precisava se preparar.
A mulher achara que o problema fosse ela, comprou camisola nova, pediu conselho para as amigas chegou mesmo até recorrer as forças ocultas do candomblé, mas tentativas inúteis, ele continuava do mesmo jeito, sem ânimo, sem vida, não aguentando mais tamanho descaso, resolveu se separar, ele nem sentiu muito, ela ficou no apartamento, ele depositava todo o mês uma quantia simbólica, mas não fazia questão de ver o filho.
Depois de um certo tempo, pediu demissão, todo o dinheiro que recebeu, depositou na conta da mulher, se fechou no apartamento e ficou ali sozinho, não atendia o telefone, não abria a janela, não saia para nada.
A barba foi crescendo, a comida acabara, precisa sair, mas não tinha ânimo, não tinha fome, deitou na cama e dormiu o sono eterno.
Lidando com cheiros
É imprecionante a capacidade humana em memorizar certos aspectos, memorizamos, guardamos no nosso HD e a informação fica ali retida e no momento certo ela ressurge como o sol de todas as manhãs.
Não tinha parado pra pensar nisso, até que me deparei com situações em que minha memória relembrou coisas que eu tinha guardado, mas nem lembrava que existiam, vou ser mais específico, é como um baú que se guarda tantas coisas, e um dia do nada você resolve fuçar e se depara com diversas coisas que você nem lembrava, por exemplo, o album de fotos da família, um ursinho, um cobertor, um boneco do he man, dentre outras coisas que me falham a memória, ou deixo a imaginação do leitor, afinal o baú é seu, e nele você guarda o que quiser.
Ultimamente minha mémória está alerta aos cheiros, esquisito não?! Mas é verdade, encontro pessoas, sinto seus cheiros e automaticamente ressurge na memória um conhecido com cheiro semelhante. Coisa de doido?! Ser for, considero-me insano!
Lembro da primeira vez que minha memória detectou os cheiros, rapidamente me veio à memória tal pessoa, fiquei pensando, o motivo para aquilo, e cheguei à conclusão de que só armazenava o cheiro devido à importância que tal pessoa tinha na minha vida, afinal se passaram várias pessoas pela minha vida e eu só conseguia lembrar o cheiro de duas, a primeira nem foi tão importante assim, mas a segunda me marcou de certa forma, que mesmo quando não sentia cheiro nenhum, fechava os olhos respirava fundo e sentia seu aroma, eu sentia, porque queria, porque desejava, às vezes me fazia um bem inexplicável, outras, um mal horrendo, uma solidão repleta de saudades.
E depois de tanto tempo, eu ainda sinto o cheiro, o perfume eu sei que não é mais o mesmo, afinal as pessoas amadurecem e mudam seus perfumes, mas eu, eu ainda sinto, e junto com o aroma recordo momentos marcantes da nossa fase juvenil.
Não tinha parado pra pensar nisso, até que me deparei com situações em que minha memória relembrou coisas que eu tinha guardado, mas nem lembrava que existiam, vou ser mais específico, é como um baú que se guarda tantas coisas, e um dia do nada você resolve fuçar e se depara com diversas coisas que você nem lembrava, por exemplo, o album de fotos da família, um ursinho, um cobertor, um boneco do he man, dentre outras coisas que me falham a memória, ou deixo a imaginação do leitor, afinal o baú é seu, e nele você guarda o que quiser.
Ultimamente minha mémória está alerta aos cheiros, esquisito não?! Mas é verdade, encontro pessoas, sinto seus cheiros e automaticamente ressurge na memória um conhecido com cheiro semelhante. Coisa de doido?! Ser for, considero-me insano!
Lembro da primeira vez que minha memória detectou os cheiros, rapidamente me veio à memória tal pessoa, fiquei pensando, o motivo para aquilo, e cheguei à conclusão de que só armazenava o cheiro devido à importância que tal pessoa tinha na minha vida, afinal se passaram várias pessoas pela minha vida e eu só conseguia lembrar o cheiro de duas, a primeira nem foi tão importante assim, mas a segunda me marcou de certa forma, que mesmo quando não sentia cheiro nenhum, fechava os olhos respirava fundo e sentia seu aroma, eu sentia, porque queria, porque desejava, às vezes me fazia um bem inexplicável, outras, um mal horrendo, uma solidão repleta de saudades.
E depois de tanto tempo, eu ainda sinto o cheiro, o perfume eu sei que não é mais o mesmo, afinal as pessoas amadurecem e mudam seus perfumes, mas eu, eu ainda sinto, e junto com o aroma recordo momentos marcantes da nossa fase juvenil.
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