domingo, 14 de fevereiro de 2010

Cotidiano

Fazia tempo que ele não se sentia assim, fazia tempo que não se deparava com a tristeza, talvez estivesse sobrecarregado demais, o trabalho, a família, os estudos, talvez tivessem lhe roubado a tristeza.
Ele estava bem, mergulhado numa correria desgastante não tinha tempo para lembrar que era triste.
Sentado no ônibus voltando pra casa, preso no trânsito de São Paulo, lembrou de si, lembrou que fazia tempos que não parava pra refletir, era como se tivessem escondido todas as coisas ruins que havia em seu peito, mas naquele momento estavam devolvendo, e ele foi lembrando de tudo.
O vazio foi tomando conta e apertando o peito, desatou a gravata e abriu dois botões da camisa talvez conseguisse respirar melhor, não conseguiu, o ônibus não andava, observou as pessoas ao seu redor, uma mocinha lia, um rapaz falava ao celular com a namorada, um jovem ouvia música e assim sucessivamente, e ele ali, preso, com medo de relembrar sua vida triste, pediu licença e desceu do ônibus.
Estava chovendo, talvez a água da chuva limpasse sua alma triste, foi andando, não tinha pressa, respirava melhor, mas o peito ainda doia, não entendia o motivo daquela dor, estaria enfartando?!
Não, estava bem, só que a dor o incomodava, caminhou, lembrou da mulher e do filho em casa, não sabia porque tinha casado, não sabia porque tinha constituído família, de uns tempos pra cá, tudo tinha perdido o sentido, ele não achava graça, não tinha prazer, fazia tudo por fazer ou se o leitor preferir para manter o social.
Mesmo não desejando, sabia que precisava manter sua rotina, mas era horrível fazer tudo sem vontade, levantar cedo todos os dias olhar para cara do chefe insuportável, depois vinham os estudos estava totalmente sem cabeça para trabalhar em tal projeto, mas se esforçava sabia quais eram suas obrigações e precisava cumprí-las o pior era voltar pra casa, encontrar a mulher lá toda carinhosa e o filho que insistia em pedir pra jogar futebol, mas ele não aguentava, não tinha ânimo, as vezes lhe faltava vontade de comer, simplesmente chegava em casa tomava um banho e caia na cama, afinal era preciso descansar, no dia seguinte tudo se repetiria e ele precisava se preparar.
A mulher achara que o problema fosse ela, comprou camisola nova, pediu conselho para as amigas chegou mesmo até recorrer as forças ocultas do candomblé, mas tentativas inúteis, ele continuava do mesmo jeito, sem ânimo, sem vida, não aguentando mais tamanho descaso, resolveu se separar, ele nem sentiu muito, ela ficou no apartamento, ele depositava todo o mês uma quantia simbólica, mas não fazia questão de ver o filho.
Depois de um certo tempo, pediu demissão, todo o dinheiro que recebeu, depositou na conta da mulher, se fechou no apartamento e ficou ali sozinho, não atendia o telefone, não abria a janela, não saia para nada.
A barba foi crescendo, a comida acabara, precisa sair, mas não tinha ânimo, não tinha fome, deitou na cama e dormiu o sono eterno.

Lidando com cheiros

É imprecionante a capacidade humana em memorizar certos aspectos, memorizamos, guardamos no nosso HD e a informação fica ali retida e no momento certo ela ressurge como o sol de todas as manhãs.
Não tinha parado pra pensar nisso, até que me deparei com situações em que minha memória relembrou coisas que eu tinha guardado, mas nem lembrava que existiam, vou ser mais específico, é como um baú que se guarda tantas coisas, e um dia do nada você resolve fuçar e se depara com diversas coisas que você nem lembrava, por exemplo, o album de fotos da família, um ursinho, um cobertor, um boneco do he man, dentre outras coisas que me falham a memória, ou deixo a imaginação do leitor, afinal o baú é seu, e nele você guarda o que quiser.
Ultimamente minha mémória está alerta aos cheiros, esquisito não?! Mas é verdade, encontro pessoas, sinto seus cheiros e automaticamente ressurge na memória um conhecido com cheiro semelhante. Coisa de doido?! Ser for, considero-me insano!
Lembro da primeira vez que minha memória detectou os cheiros, rapidamente me veio à memória tal pessoa, fiquei pensando, o motivo para aquilo, e cheguei à conclusão de que só armazenava o cheiro devido à importância que tal pessoa tinha na minha vida, afinal se passaram várias pessoas pela minha vida e eu só conseguia lembrar o cheiro de duas, a primeira nem foi tão importante assim, mas a segunda me marcou de certa forma, que mesmo quando não sentia cheiro nenhum, fechava os olhos respirava fundo e sentia seu aroma, eu sentia, porque queria, porque desejava, às vezes me fazia um bem inexplicável, outras, um mal horrendo, uma solidão repleta de saudades.
E depois de tanto tempo, eu ainda sinto o cheiro, o perfume eu sei que não é mais o mesmo, afinal as pessoas amadurecem e mudam seus perfumes, mas eu, eu ainda sinto, e junto com o aroma recordo momentos marcantes da nossa fase juvenil.